Holocausto na Linha Sintra
A meio do holocaustico cenário, para um lado e para o outro um deserto tórrido de cascalho grosso temperado pelos férreos carris… para lá disto um labirinto de alcatrão onde se movem surdas e mudas criaturas metálicas que não ajudarão ninguém…
O comboio pára… depois de o ouvirmos passar por cima de alguma coisa… e aqui estou eu, a ouvir Ennio Morricone e a ler o ultimo romance da Regina Sardoeira quando os primeiros bravos começam a saltar do comboio parado no meio de lado nenhum… armados em espertos a opinar sobre as causas do contratempo… mas eu sei muito bem o que se passa, começa sempre assim, primeiro os serviços começam a falhar, alguém vai ver o que se passa, alguém é mordido e infectado… e a partir dai, bem, já todos vimos os filmes…a infecção propaga-se e é o fim da humanidade às mãos dos Zombies.
Passa um revisor e responde vagamente às perguntas que disparam para o ar… – eles dizem que passamos por cima de qualquer coisa! – Eu penso para comigo, o Sr. Qualquer coisa deve estar bonito deve, pelo solavanco que o comboio deu… alguém responde – Ainda bem que hoje não há jogo… – e eu começo a planear de novo o meu dia, porque parece que a CP tem novos desígnios para mim… por absurdo que possa parecer, vem um comboio no sentido contrario e numa preciosista manobra pára com as portas alinhadas com o comboio onde nós estamos e começa o transbordo, aquilo que me pareceu um acto desertor, e perigoso… o de abandonar aquela pobre carcaça metálica que tinha dado a vida para nos proteger… a loucura começa quando pessoas com o dobro da minha idade começam a transpor o abismo entre os dois comboios, o chão, 2m abaixo, era anunciado pela distancia de 1,5m entre as portas… uma velhota ensaia um salto que me parece movido por desespero, ninguém quer ficar para traz, e tal é o desespero, que a velha consegue aterrar do outro lado, nos braços de um jovem benemérito… por momentos contemplo o êxodo da carcaça morta para o comboio da esperança, e dos muitos idosos que fizeram a proeza, fascinantemente, nenhum cai, que era de longe uma probabilidade em que eu apostaria, com uma queda bem simulada conseguiriam sacar bom dinheiro à CP… por fim também eu, resistente mas com um aguçado sentido de dever, pois não poderia abandonar aquelas pessoas que contam com a minha experiência no combate a Zombies, transbordo-me para a nova maquina, viro-me e observo o lugar onde vinha sentado, (há minutos atrás a minha vida parecia tão banal), sorriu e salto… já no novo comboio, estranhamente com uma equação dinâmica igual à da carcaça abandonada a seu lado, dizem-me que caiu uma cartonaria no caminho de ferro… foi isso! O mesmo já me tinha acontecido naquela mesma linha há 3 anos atrás e já então me tinha proporcionado um serão igualmente divertido… disseram-nos então que iríamos até Benfica e lá aguardaríamos novas… são já 14:51 quando reiniciamos a marcha, a viagem que tinha começado às 14:11 em Entrecampos… uma senhora começa a lamentar-se que tem fome, e eu lembro-me que também não almocei…outra senhora lembra-se de responder – eu tenho aqui umas pastilhas! E eu sou violentamente assaltado pelo ponto de situação… estamos bonitos estamos!
…sem comida, sem armas, teremos de os enfrentar de mãos nuas e de estômago vazio… contemplo o semblante dos meus camaradas de carruagem e tento acalma-los com o olhar… nada de mal vos acontecerá meus bravos… não enquanto eu aqui estiver…
No meio disto um casal de bifes com o ar de quem não percebeu pevide do que estava a acontecer, por não falarem português, viram-se para mim na esperança de uma explicação na língua da rainha… que aventura… lá lhes explico o que se passa e quais as minhas expectativas… quando lhes falei dos Zombies pareceram-me ficar preocupados, a usual fobia do contacto com o agente infeccioso foi notória no comportamento instintivo do machão, que puxou a mulher para junto dele, afastando-a de mim…mas eu assegurei-lhe que ainda não havia ninguém infectado dentro do comboio… creio que estabelecemos desde logo uma relação de confiança entre os dois, mas ele não afrouxou a guarda… ele era grande, e ambos sabíamos, que caso ele fosse infectado eu teria de o matar e ficaria com a mulher dele, era claro como água!
Começo a ter fome, e realmente, "ainda bem que hoje não há jogo"… penso para mim que o gajo que tem uma saída destas só pode ser mentecapto!
Se a coisa piorar terei de tomar medidas para a sustentabilidade da vida no interior da carruagem, e começo a destrinçar a população que me envolve… apercebo-me de algumas fêmeas receptivas a acasalar, que me enchem as medidas, e alguns jovens que poderei facilmente formar no sentido de serem os machos Beta, a carne para canhão! Entretanto a marcha do comboio pára outra vez… que tarde! A selecção musical que levo comigo no leitor de mp3 foi perfeita, para alem de westerns tenho Enya e Yan Tierson…
Mais 15 minutos parados e eis que retomamos a marcha, até que chegamos ao prometido apeadeiro de Benfica… já fiz dois novos amigos, o casal de bifes não me largam e sempre que ouvem as explicações em português dadas à mobe pelas colunas da estação olham para mim em busca de tradução… aquelas caras, as expressões nos rostos deles, dizem-me que acreditam em tudo o que lhes disser… eu digo-lhes a verdade – Os Zombies estão a dar que fazer às forças de intervenção e demorará algum tempo até poderem assegurar a sobrevivência das populações nas estações da linha de Sintra… estamos por nossa conta meus amigos! – As expressões aterrorizadas de ambos jogam com o cenário em redor… cenário esse que eu reavalio e deparo-me com uma drástica mudança…a meu lado só pousam velhas… estou feito! Tenho que mudar-me para o pé das boazonas… começo a caminhar no apeadeiro e os bifes seguem-me de longe… demorou cerca de 10 minutos até entrarmos noutro comboio estacionado no outro lado do apeadeiro…
Dali não houve mais problemas até à estação do Algueirão, lugar onde tive que me despedir do casal de ingleses, eles iam para Sintra, e pediram-me que fosse com eles, disseram-me que lá poderíamos começar de novo, um mundo perfeito, eu sorri e agradeci-lhes o gesto, mas os números não eram simpáticos, ele ela e eu não daria em nada perfeito, para alem disso eles já tinham estado tempo suficiente comigo para perceberem a minha Índole de guerrilheiro, o lugar para se estar se queremos proteger a serra de Sintra do avanço da peste zombie é em Algueirão Mem Martins, e é aqui que eu saiu. O comboio pára por breves momentos, o tempo exacto para me atirar às mandíbulas do aglomerado de zombies mitras que esperavam na estação por carne fresca, (um dos rostos eu conheci de imediato, era o Seara, que estava infectadinho até à careca do sindroma Zombeiro...era o mais feio de todos eles...), apercebo-me que a minha terra está já tomada pela infecção, e tenho tempo de olhar para os bifes que me acenam do comboio que se afasta, enquanto eu despedaço as monas duns feiosos que se me atravessam à frente, como um ceifeiro na ceara, sorrindo, e assim abro caminho até à casa de um antigo companheiro destas andanças, que mora ali perto da estação. Sei que a esta hora já terá tomado as providências necessárias para conseguirmos fazer frente à epidemia… já aconteceu antes, e de certo que ele me espera para avançar com o plano.
Não havia aqui nem cabras nem borregos no comboio… eram todos simplesmente estúpidos e um deles era louco varrido!
PS- Este artigo foi escrito integralmente num desses serões extraordinariamente planeados no sigilo por essa abençoada empresa que é a CP, que segundo sei tem um gabinete de marketing dedicado em exclusivo ao planeamento destas actividades lúdicas para o entretenimento de seus clientes.
È portanto baseado numa historia verídica; desafio-vos então a perceberem o que daqui realmente teve lugar entre a estação de Sete-rios e a estação de Benfica…
2 Comments:
...sinto-me gravido!
O meu amigo jaime tem-me como o construtor de metaforas que nunca fui...
O meu amigo Hauptversammlungsarbeitsplanner encontrou a ponte do fabulastico comboio da linha de sintra para os descobrimentos e dai para o aguardado V Império, onde Portugal dominará novamente o mundo conquistado pela sua natureza castiça e putirescamente cultural...
...MAS É VERDADE...HAVIA MEMSO ZOMBIES... AOS MILHARES, MAIS QUE AS MÃES DELES... É VERDADE... SIM!
Já estou a escrever este comentário com um certo atraso e- isto é terrível! - porque num exercício narcísico de pesquisa sobre mim mesma, encontrei uma referência desconhecida ao meu nome... alguém vai no comboio a ler o último romance de Regina Sardoeira... São 5:12 da manhã, não tenho cabeça para ler o texto todo, mas guardei o blog nos Favoritos e amanhã vou saborear... De qualquer modo, gostava de saber quem é o meu leitor do comboio da linha de Sintra!!! Regina Sardoeira... sou eu! E, como ainda estou em princípio de carreira, fico entusiasmada naturalmente quando sei que alguém está a ler-me!
Se calhar... temos-que-falar... ou talvez não!
A resposta do Fauno seria oportuna...
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