Monday, September 24, 2007

De Usuahia A La Quiaca *

Tenho curiosidade para saber como correu a viagem à Amsterdam. Não que tenha uma costela voyeurista ou coscuvilheira mas porque tenho uma(talvez mais que uma) costela muito sensível ao "choque" entre as pessoas. Acho curioso, e andando por lisboa todos os dias a pé ainda mais, como passamos o dia todo a fugir ao contacto, a evitar o contacto, com o olhar no chão e o pensamento nas facturações, na marcação de reuniões, naquela folha de Excel que teima em dar um resultado que não o pode ser de todo, na conta da água, na prestação da casa, no resultado dos exames, e de repente encontramos uma mulher cheia de vontade de sair do país, voar para outro continente, percorrer centenas de kilometros batidos pelo tempo num autocarro que o pó esconde a côr original, para encontrar alguém que não faz grande ideia de como a irá receber.

Por tudo o que já vi na vida, não apenas comigo, confesso que não sou um optimista mas serei sempre um romântico e acho absolutamente extraordinário o desejo de se ir não se sabe muito bem para onde, sem saber muito bem para quem, sabendo muito pouco como mas com a certeza absoluta que se tem de ir...

Esse sentimento já se cruzou algumas vezes comigo e nunca esquecerei cada uma delas mas a primeira...a primeira foi demasiado especial e uma história que na essencia foi tão bonita como a da Ana. Tenho a certeza que a dela terá um final diferente. Força Amsterdam.Salud!

*música que faz lembrar a viagem de Ernesto de la Serna pela América do Sul para se descobrir e regressar renascido.

Monday, September 03, 2007

Ataxia Dysarthia

Abres os olhos e estás num hospital.Os corredores não têm ninguém porque são 3 da manhã. As únicas pessoas que te guardam é a imagem reflectida na bolsa ligeiramente espelhada do soro. Estás por tua conta...como aliás no fundo sempre estiveste. Suportaste e superaste hospitais, suportaste e superaste funerais, suportaste e superaste expulsões da escola, suportaste e superaste efemérides inolvidáveis da vida sozinho...o curso, a pós-graduação,os primeiros concursos públicos, os medos de quem oficialmente começa a vida de adulto,os dignósticos dos médicos, os receios dos exames clínicos, a primeira consulta no dentista em 26 anos...estás absolutamente sozinho rodeado de gente que quer estar ao teu lado, de gente que te quer conhecer, de gente que te quer apresentar gente...
São 3 da manhã.Estás deitado numa maca e a única companhia que afinal tens são as gotas de soro que caem tão pontuais e ritmadas como silenciosas e clarividentes. A cada nova gota de soro cais aos poucos na dura realidade de estares sozinho e perceberes que afinal foste mais companhia que acompanhado, mais amigo que namorado, mais presente que futuro, mais filho que orgulho,mais remédio que cura...
Estás sozinho e a única coisa em que pensas é no teu avô e em quanto desejas estar ao lado dele a comer uma peça de fruta magistralmente descascada por ele. De repente percebes que não comes fruta porque faz-te lembrar na última coisa que o teu avô comeu antes de perceber que era mais passado do que futuro. De repente percebes que herdaste dele mais que os cabelos brancos na parte da frente do teu couro cabeludo...de repente percebes porque é que nunca foste parecido com ninguém da tua família senão com ele...de repente percebes porque é que sempre te sentiste tão sozinho...tal como ele todos os que admiras e entregas a tua vida acabam por te deixar sozinho...
São 3 da manhã.Estás sozinho naquele corredor. Ocasionalmente passa-te um enfermeiro pela tua mais recente propriedade...metro e meio de maca com uma roda que chia a cada curva para a esquerda. O tempo passa e perdes-te na sensação de adormecimento que invade o teu corpo e a tua mente...dás por ti a dar nome à maca:
La Poderosa! -dizes num sussuro quase mudo. Não consegues evitar um sorriso antes de finalmente caires num sono profundo...
RJML